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Programa que entrevista condenados à morte faz sucesso na China

Written By Francisco Dantas on terça-feira, 13 de março de 2012 | terça-feira, março 13, 2012



Programa que entrevista condenados à morte faz sucesso na China
Semanalmente, na província de Henan, no centro da China, milhões de pessoas assistem a um extraordinário programa de televisão intitulado, em tradução literal, Entrevista Antes da Execução. Nele, a repórter Ding Yu entrevista assassinos condenados à morte.


Para garantir o entrevistado da semana, Ding e sua equipe vasculham relatórios publicados por tribunais à procura de casos. Os jornalistas têm de agir rápido, porque os prisioneiros podem ser executados sete dias após receberem a sentença.

Aos olhos ocidentais, um programa desse tipo pode parecer uma exploração, mas Ding não concorda. "Alguns telespectadores podem considerar cruel pedir a um criminoso que conceda uma entrevista quando está prestes a ser executado. Pelo contrário, eles querem ser ouvidos", diz.

"Alguns criminosos que entrevistei me disseram: 'Estou realmente muito satisfeito. Eu disse a você tantas coisas que trazia no meu coração. Na prisão, não havia alguém com quem eu quisesse falar sobre acontecimentos do passado'".

O programa foi transmitido pela primeira vez no dia 18 de novembro de 2006 no Canal Lega de Henan, uma entre 3 mil estações de TV estatais da China. Ding vem entrevistando um prisioneiro por semana desde então.

O objetivo, segundo a produção do programa, é encontrar casos que servirão como um alerta para outras pessoas. Um slogan repetido no início de cada programa pede que a natureza humana acorde e "perceba o valor da vida".

Na China, 55 crimes podem ser punidos com a pena de morte, entre eles, assassinato, traição, rebelião armada, suborno e contrabando. Recentemente, 13 delitos deixaram de ser puníveis com a pena de morte, entre eles, contrabando de relíquias e alguns tipos de fraude. O programa, entretanto, tem como foco exclusivo os assassinatos violentos.

Avisos Prisioneiros políticos ou casos onde existe dúvida sobre a autoria do crime não são incluídos no programa. E a equipe tem de obter o consentimento do tribunal superior de Henan antes de cada entrevista. "Sem esse consentimento, nosso programa terminaria imediatamente", disse Ding à BBC.

As transmissões ocorrem nos sábados à noite. Com quase 40 milhões de telespectadores, o programa está entre os dez mais vistos da província, onde vivem cem milhões de pessoas. Após mais de 200 entrevistas, Ding Yu é hoje uma estrela, conhecida por muitos como "a bela com as feras".

Se as pessoas não prestam atenção aos avisos que o programa oferece, ela diz, então devem sofrer as consequências. "Sinto pena e lamento por eles. Mas não tenho simpatia por eles, porque devem pagar um preço alto por seus erros. Eles merecem (a punição)."

Muitos dos casos apresentados no programa são motivados por dinheiro e um caso em particular chamou a atenção de Ding. Os criminosos eram um casal de namorados - jovens, educados e com nível superior. O plano envolvia roubar os avós da condenada mas não deu certo. O condenado, Zhang Peng, de 27 anos, acabou matando os avós da namorada.

"Eles eram tão jovens. Nunca tiveram a oportunidade de ver o mundo, ou de desfrutar da vida, da carreira, do trabalho ou do amor à família. Fizeram a escolha errada e pagaram com suas vidas", diz.

No entanto, após tantas entrevistas, poucas coisas a surpreendem. "Já entrevistei criminosos ainda mais jovens do que aquele estudante, alguns tinham apenas 18 anos. Esta é a idade mínima em que você pode ser condenado à morte."

A homossexualidade ainda é um grande tabu na China. Por isso, em 2008, quando o programa apresentou o caso de Bao Ronting, um homossexual que havia matado a mãe, índices de audiência chegaram ao pico.

Foi a primeira vez que Ding encontrou um homossexual assumido. "Foi a primeira vez que encontrei um homossexual, então não pude aceitar suas ações, palavras e práticas", afirma. "Embora ele fosse um homem, perguntou-me com um tom muito feminino: 'Você se sente estranha falando comigo?' Na verdade, me senti muito estranha".

Ding e sua equipe fizeram mais três programas sobre o caso de Bao Ronting e o acompanharam até o dia de sua execução, em novembro de 2008. Durante esses encontros, Bao perguntou a Ding: "Eu vou para o céu?" Refletindo sobre essas palavras, ela diz: "Eu sou testemunha da transição entre vida e morte".

No dia de sua execução, Bao Ronting foi exibido pelas ruas, em cima de um caminhão, com uma placa pendurada em seu pescoço detalhando seu crime. A prática é ilegal na China hoje - mas a lei nem sempre é respeitada.

Brandura e rigor O juiz Lui Wenling, que dá consultoria à produção do programa, disse que as coisas estão mudando no sistema legal chinês. "A política criminal na China é matar menos e com mais cautela e combinar brandura com rigor". "Isso quer dizer, se o caso é apropriado para um tratamento brando, seja brando, e se o caso deve ser tratado de forma rigorosa, dê uma punição rigorosa".

Ding cobriu recentemente o caso de Wu Yanyan, uma jovem mãe que matou o marido após ter, supostamente, sofrido anos de abusos. Inicialmente, ela foi condenada à morte pelo assassinato mas, desde 2007, todo veredito de execução na China tem que ser aprovado pelo Supremo Tribunal. O tribunal decidiu que os abusos constituíam circunstâncias atenuantes e retornou o caso várias vezes ao tribunal local, até que a sentença de morte fosse suspensa.

Ding visitou a prisão com a filha de Wu Yanyan para um emocionante reencontro. Se a jovem mãe continuar a se comportar bem na prisão, pode, após dois anos, acabar sendo libertada - um pequeno sinal de que as coisas estão mudando no país.

O juiz Pan, um dos mais liberais do país, assim como algumas outras importantes autoridades do judiciário chinês, anteveem mais reformas de grande alcance no sistema futuramente. "Uma vida pode terminar em um piscar de olhos após um julgamento. Eu diria que isso é também muito cruel", disse Pan. "Deveríamos abolir a pena de morte? Uma vez que a sentença de morte para criminosos é em si mesma um ato violento, deveríamos aboli-la. Entretanto, não acho que nosso país esteja pronto ainda", conclui.

Terra/portal paulista online 
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